Ana Vífer

Ana Vífer

sexta-feira, 9 de março de 2018

Mania de amar errado

O amor vem errado para a caligrafia do compositor, são olhos marejados que escrevem aquela canção de amor. Enquanto sua dor vira hit, o céu parece longe demais para que chegue sua oração.
Com todos os argumentos para expulsar o pesar, flutua sobre sua alma a mania de amar errado.
Na sexta-feira as luzes do bar cintilam seu sorriso, o fazem esquecer por um momento os longos cabelos negros que costumavam fazer cócegas em seus braços numa noite de inverno.
Os lábios de tantas morenas passam escorregando perto do seu rosto, mas ele vive aquela história de novo enquanto uma canção de Leoni toca.
Ele costuma experimentar um pequeno terremoto nas palavras ríspidas daquela que o inspirava, o ama bagunçado. Ele só quer poder tê-la tranquilo, num sábado a noite, do jeito certo.
Ele só quer sua índia tecendo seu futuro, só quer um porto-seguro, mas sempre ama errado.
Ele espera por ela vestida de mulher como deve ser, espera que ela deixe as coisas de menina para traz. Em um domingo enquanto fala com Deus, ele refaz os planos. Ele escolhe os nomes para os filhos, as flores da cerimônia em frente ao mar, meia dúzias de insultos velados ele lê numa mensagem e como mágica, uma melodia nova sai de seus dedos com o coração sangrando porque ela também o ama errado.
Às segundas-feiras ele costuma deixar o sentimento suprimi-lo um pouco mais, semi-nu dedilha qualquer canção de Cazuza, o cabelo lavado fazia um pequeno caminho de água em suas costas pálidas, enquanto seu corpo está parcialmente coberto, sua alma está completamente desnuda, em frangalhos, amando novamente errado, compunha mais um grande feito de canção que embalaria amantes em tórridas delícias de paixão.
Conforme o costume, terça-feira ele faz força para deixar um pouco de felicidade entrar, mas como em qualquer carnaval, a quarta-feira sempre é de cinzas e ele não aprendeu como amar sem sentir dor.
Na quinta, suas chaves ficaram sobre a mesa, com elas todas as cartas, ele só quer deixar o tempo fazer seu trabalho. Os olhos negros dela são desafio e resolução, o poeta não sabe realmente como amar. Diante do motivo de seus dias chuvosos que é também a chave para toda a arte que ele sabe produzir as perguntas dançam nos lábios dela e ele não consegue ouvir as palavras saírem. É hipnotizante e ele cantarola bem baixinho "o tempo é rei, mas é inimigo..." numa abstração, num amor, numa solidão.
De novo é sexta-feira e ele cintila mais uma vez seu sorriso banhado pelas luzes do bar, de novo uma morena escorrega os lábios em seu rosto enquanto ele tenta esquecer a pele vermelha que ele costumava beijar, em meio a um gole da melhor bebida do lugar, ele ainda de certo não aprendeu como amar, não aquela mulher chuvosa que nutre e destrói. Não ela que como sol do meio-dia ilumina e queima. Sabemos de fato, ele cultiva a velha mania, a mania sonora de amar errado.